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Ofensa à integridade física por negligência. Intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos. Arquivamento. MP. DIAP de Setúbal

6 maio 2021

O Ministério Público do DIAP de Setúbal proferiu despacho de arquivamento no inquérito em que se investigou a atuação de um médico por ter realizado três ecografias obstétricas durante a gravidez de paciente, registando, nos respetivos relatórios, um desenvolvimento normal do feto.

A criança veio a nascer no dia 7 de outubro de 2019, no Hospital de Setúbal, com múltiplas malformações, sem nariz, olhos e parte do crânio.

Da investigação resultou apurado que, na realização das três ecografias efetuadas à mãe do bebé durante a sua gravidez, o médico não observou as leges artis, designadamente, as regras estabelecidas pelas normas da DGS e padronizadas na ciência médica para a realização de ecografias obstétricas. Contudo também se apurou que, caso as malformações do bebé tivessem sido detetadas nos exames de ecografia ou outros exames complementares durante a gestação, não eram passíveis de serem medicamente intervencionadas ou suscetíveis de tratamento, por forma a extinguir ou minorar o grau de malformação, conforme o parecer do Conselho Técnico Científico do INML.

O diagnóstico atempado apenas poderia permitir o cabal esclarecimento das opções reprodutivas do casal, nomeadamente a possibilidade de ponderar a interrupção médica da gravidez a realizar nas primeiras 24 semanas, por existirem motivos seguros de que o nascituro viria a sofrer de forma incurável, de doença grave ou malformação congénita, nos termos da Lei n.º 16/2007.

Ficou assim demonstrado que o erro médico em nada contribuiu ou sequer potenciou a criação de um perigo de lesão da integridade física do feto ou da sua vida, na medida em que a intervenção médica em nada concorreu para o estado de doença que o feto já padecia, concluindo-se pela inexistência do nexo de causalidade adequada entre a (não) atuação do denunciado e o resultado (doença) ou perigo para a vida ou integridade física quer da assistente, quer de seu filho.

Embora seja incalculável a dor e sofrimento gerados pela conduta do denunciado, não sendo possível estabelecer um nexo causal entre a violação da leges artis e a criação de qualquer perigo para a vida ou integridade física, verifica-se que a conduta do denunciado é atípica, não integrando a prática de crime (quer o do artigo 150.º quer o do artigo 148.º, ambos do Código Penal) e, consequentemente, não acarretando qualquer responsabilidade criminal, sem prejuízo da verificação da violação do direito que assistia à assistente de interromper a gravidez, o eventual “direito ao não nascimento” (apelidado na doutrina como “wrongful birth case”) da criança e, indiretamente, a violação dos direitos não patrimoniais de seus pais, suscetíveis de responsabilidade civil.

A investigação foi dirigida pelo DIAP Sede de Setúbal.